Trata-se do
primeiro sucesso literário de Camilo Castelo Branco, e logo ao segundo livro
que escreveu. Aqui estão contidos todos os elementos que vieram popularizar
Camilo: a acção acelerada, predominando sobre os momentos descritivos,
preenchida com uma verdadeira plêiade de palavras retiradas do dicionário que,
como Voltaire, diz-se que lia todos os dias, mas que acrescentam pitoresco à
narrativa, grande poder imaginativo e pujança na escrita.
Ao contrário de
Eça, o seu grande rival, Camilo é um homem de acção, foi-o na vida, basta ver a
sua biografia, desde a participação nas guerras civis entre absolutistas e
liberais até às diversas polémicas em que esteve envolvido, não poucas criadas
por ele, e é-o na literatura. Esse elemento está muito presente nos Mistérios de Lisboa e é, na minha
opinião, parte da causa do seu estrondoso sucesso, ao ponto de ter sido o
escritor português mais vendido do século XIX. Com todas as suas imperfeições e
excessos, o seu conservadorismo político – é importante não esquecer que chegou
a ser absolutista, na juventude –, o seu catolicismo clássico, com tudo o que
tem de culpa, expiação, condenação divina e juízo final, que é, nunca é demais
relembrar, o grande conector das várias histórias interligadas na obra, Camilo
revela-se humano e reconhecidamente terreno. Agrada-me o sentido que nele há de
todas essas imperfeições e de como, apesar delas, ou talvez por causa delas, o
seu génio ainda hoje nos arrebatar.
Não obstante a
ideia subjacente a este romance não ser nada de inovador, Mistérios de Lisboa (1854) é um claro subsidiário dos Mistérios de Paris (1843), de Eugène Sue, cerca de uma década seu predecessor, há
aqui algo de particular que justifica a sua originalidade. Esse algo, creio, é
uma certa intuição da alma portuguesa. Castelo Branco intui aquilo que a alma
portuguesa tem de profundamente humanitário, de livre, mas também de
fatalidade, de saudade e coragem na desgraça, seguindo a interpretação que
aponta Agostinho da Silva. A juntar a isto, estilisticamente, revejo em Camilo
algo de Victor Hugo, no seu sentido do monumental, que ainda não me tinha
apercebido nas suas novelas, forçosamente mais pequenas, sempre unido ao seu
quixotismo, que o próprio arvorou para si, que tão deliciosamente nos faz rir.
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