Depois da
redundância literária que foi Os Filhos
de Húrin, o recontar, pela terceira vez, de uma história já incluída em O Silmarillion e aprofundada nos Contos Inacabados. Uma vez mais, a
história repete-se. Mais um livro de Tolkien, publicado a partir do vasculhar
dos papéis do autor, legados à biblioteca da Universidade de Oxford, e mais uma
desilusão. Trata-se de um conto, a primeira incursão de J. R. R. Tolkien no
género fantástico, facto que me atraiu sobremaneira. Contudo, depressa nos
apercebemos de que algo vai mal. Afinal não é um conto de Tolkien, apenas um
recontar de uma história pertencente ao épico do folclore finlandês, Kalevala. O conto está incompleto, foi
abandonado quando o autor se alistou no exército para combater na Primeira
Guerra Mundial, o que deixa ainda mais a desejar. Como cereja no topo do bolo,
seguem-se dois ensaios, transcrições de palestras dadas sobre a Kalevala pelo próprio Tolkien, que se
vem a descobrir serem pura e simplesmente o mesmo ensaio, um na sua versão
manuscrita, completo, o outro na sua versão dactilografada, um pouco mais
desenvolvido, mas por terminar. A rematar, um novo ensaio, desta feita da lavra
da editora do material original, Verlyn Flieger.
Tolkien (1892-1973) em uniforme militar |
Ao contrário de Pessoa, de cujos baús ainda hoje se desencantam poemas, ensaios, guiões de cinema, policiais, entre outros, completos e inéditos, Tolkien não possui baús da mesma estirpe, está mais do que provado. Insistir no contrário é uma indigna exploração do filão editorial que se veio a revelar ser O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Compreendo a publicação por motivações académicas, de forma a disponibilizar material de investigação aos estudiosos da obra e dos processos literários do autor. Esta edição, todavia, tem precisamente a motivação contrária, afirmada no prefácio, dado já existir uma edição académica de A História de Kullervo.
Pessoalmente,
apenas o ensaio final veio salvar a leitura, de outra forma, truncada e
redundante. Tomei nota de algumas das fundamentações biográficas para o
maravilhamento de Tolkien pelo folclore finlandês, e a sua identificação com
Kullervo, personagem de uma certa monta na Kalevala,
cujo resultado foi a inspiração criativa do que viria a ser o seu próprio
trabalho de fantasia. Kalevala, que
apenas conhecia de nome por a ter visto publicada, nos tempos de faculdade,
pela Dom Quixote, numa tradução directa do original, tão importante para
Tolkien que planeou criar uma “mitologia para a Inglaterra”, na falta de
semelhante corpus folclórico anglo-saxão. Kalevala,
que levou à A História de Kullervo,
inspiração para Túrin, personagem de concepção primeva que levou à criação de
todo O Silmarillion para o enquadrar,
Silmarillion que abriu as portas para
O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
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