segunda-feira, 9 de abril de 2018

"A História de Kullervo" de J. R. R. Tolkien


Depois da redundância literária que foi Os Filhos de Húrin, o recontar, pela terceira vez, de uma história já incluída em O Silmarillion e aprofundada nos Contos Inacabados. Uma vez mais, a história repete-se. Mais um livro de Tolkien, publicado a partir do vasculhar dos papéis do autor, legados à biblioteca da Universidade de Oxford, e mais uma desilusão. Trata-se de um conto, a primeira incursão de J. R. R. Tolkien no género fantástico, facto que me atraiu sobremaneira. Contudo, depressa nos apercebemos de que algo vai mal. Afinal não é um conto de Tolkien, apenas um recontar de uma história pertencente ao épico do folclore finlandês, Kalevala. O conto está incompleto, foi abandonado quando o autor se alistou no exército para combater na Primeira Guerra Mundial, o que deixa ainda mais a desejar. Como cereja no topo do bolo, seguem-se dois ensaios, transcrições de palestras dadas sobre a Kalevala pelo próprio Tolkien, que se vem a descobrir serem pura e simplesmente o mesmo ensaio, um na sua versão manuscrita, completo, o outro na sua versão dactilografada, um pouco mais desenvolvido, mas por terminar. A rematar, um novo ensaio, desta feita da lavra da editora do material original, Verlyn Flieger.

Tolkien (1892-1973) em uniforme militar

Ao contrário de Pessoa, de cujos baús ainda hoje se desencantam poemas, ensaios, guiões de cinema, policiais, entre outros, completos e inéditos, Tolkien não possui baús da mesma estirpe, está mais do que provado. Insistir no contrário é uma indigna exploração do filão editorial que se veio a revelar ser O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Compreendo a publicação por motivações académicas, de forma a disponibilizar material de investigação aos estudiosos da obra e dos processos literários do autor. Esta edição, todavia, tem precisamente a motivação contrária, afirmada no prefácio, dado já existir uma edição académica de A História de Kullervo.
 
Kalevala (1835), a inspiração para Tolkien

Pessoalmente, apenas o ensaio final veio salvar a leitura, de outra forma, truncada e redundante. Tomei nota de algumas das fundamentações biográficas para o maravilhamento de Tolkien pelo folclore finlandês, e a sua identificação com Kullervo, personagem de uma certa monta na Kalevala, cujo resultado foi a inspiração criativa do que viria a ser o seu próprio trabalho de fantasia. Kalevala, que apenas conhecia de nome por a ter visto publicada, nos tempos de faculdade, pela Dom Quixote, numa tradução directa do original, tão importante para Tolkien que planeou criar uma “mitologia para a Inglaterra”, na falta de semelhante corpus folclórico anglo-saxão. Kalevala, que levou à A História de Kullervo, inspiração para Túrin, personagem de concepção primeva que levou à criação de todo O Silmarillion para o enquadrar, Silmarillion que abriu as portas para O Hobbit e O Senhor dos Anéis.

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