sexta-feira, 12 de junho de 2020

"Os Inimigos Íntimos da Democracia" de Tzvetan Todorov


Notas Para a Compreensão da Política Contemporânea

No pico da crise económica global pós-2008, o historiador, filósofo e teórico literário Tzvetan Todorov dedicou-se a estudar o estado da democracia no momento presente, e os perigos a que está sujeita. Oito anos volvidos desde a sua publicação, com o mundo ocidental a assistir a uma viragem perigosa em direcção ao populismo – os Estados Unidos da América são presa do errático e falacioso Trump, o Brasil está nas mãos do lunático Bolsonaro, e até a União Europeia se vê a braços com Orbán, na Hungria, a Frente Nacional, em França, o VOX, na Espanha, ou a Liga Norte em Itália –, a actualidade e urgência das reflexões de Todorov não poderiam ser mais evidentes.

Impõe-se, antes de mais, uma definição de democracia, segundo Todorov. Para este, a democracia é o regime em que o poder pertence ao povo, no seio da qual se pode desfrutar da liberdade dos indivíduos e do direito a uma vida privada. À democracia está inerente o conceito de progresso, isto é um “melhoramento possível da ordem social, um aperfeiçoamento graças aos esforços da vontade colectiva” (TODOROV, p. 15). No regime democrático o poder é de carácter pluralista, estando distribuído entre diversas instâncias, que se querem independentes entre si. À divisão tripartida tradicional do poder em poder judicial, legislativo e executivo, Todorov junta mais dois: o mediático, pertencente à formação, e influência, da opinião pública pelos órgãos de comunicação social; e o económico, relativo à acção na sociedade derivada da acumulação de bens privados, capazes de moldar a mesma por via do investimento financeiro que, entre outras coisas, gera empregos, logo salários, a eles alocados. Para Todorov, a democracia é, resumindo, um equilíbrio constante entre todos estes ingredientes.

Tzvetan Todorov (1939-2017)

Tendo em conta o contexto histórico actual, as monarquias absolutas são uma relíquia do passado, subsistindo apenas no Vaticano, na Arábia Saudita e num punhado de estados islâmicos menores; os regimes totalitários fascistas foram derrotados há muito; e o regime totalitário comunista soçobrou sobre o seu próprio peso há 28 anos. Perante esta ausência de inimigos externos, o governo do povo só tem a temer os seus inimigos internos, que resultarão, necessariamente, de um desequilíbrio entre os ingredientes que o compõem.

Desta forma, o sistema democrático comporta um engenho interno capaz de provocar a sua própria destruição: a húbris. Isto é, uma desmesura, como Todorov prefere chamar-lhe, que consiste numa “vontade ébria de si mesma, um orgulho que convence aquele que o sente de que tudo para ele é possível” (TODOROV, p. 16). Esta desmesura surge quando se evidencia uma simplificação do plural, precisamente a característica democrática que funciona, em circunstâncias normais, como factor dissuasor de potenciais prepotências. Neste sentindo, Todorov aponta os três principais ingredientes democráticos passíveis de sofrerem de uma desmesura, o povo, a liberdade e o progresso, e liga-os aos respectivos perigos que podem constituir, caso extravasem a condição moderadora que deles se exige, o populismo, o neoliberalismo e o messianismo. Adicionalmente, podemos incluir nesta lista de perigos, a xenofobia, umbilicalmente ligada ao populismo.

A Tentação do Absoluto

Antes da própria análise dos perigos em causa, Todorov empreende um enquadramento da húbris num contexto filosófico alargado que constituirá a base da sua argumentação: a disputa teológica entre Pelágio e Santo Agostinho. Em pleno século IV, no ocaso do Império Romano do Ocidente, Pelágio despertou uma controvérsia no seio da doutrina cristã devido às suas interpretações da vontade divina e do destino do Homem, conceptualizados em torno daquilo a que chamou autonomia, ou seja, “a lei que damos a nós próprios” (TODOROV, p. 32). Segundo Pelágio, a graça divina consistia no dom do livre-arbítrio e nos ensinamentos bíblicos. Partindo destas dádivas, o Homem seria capaz de entender o curso moral da acção e segui-lo autonomamente. Tal concepção partia da visão de que toda a criação gerada por Deus é boa, logo o pecado original seria impossível, isto é, o pecado não poderia, dado que o Homem tem livre-arbítrio, ser herdado de Adão, consistiria, apenas, na imitação do seu gesto. Logo seria possível à humanidade evitar o pecado dado que tem a capacidade moral de escolher não pecar e de escolher viver uma vida santa. E, porque o Homem é feito à imagem de Deus, e “a vontade divina não conhece limites, a vontade humana pode ultrapassar todos os obstáculos” (TODOROV, p. 24).

Pelágio (c. 354-418 d. C.)

 Por seu turno, Santo Agostinho opôs à autonomia pelagiana a heteronomia, melhor dizendo, a “submissão à lei vinda de fora” (TODOROV, p. 32). À omnipotência pelagiana do livre-arbítrio, Agostinho contrapõe a força profunda do inconsciente da mente, como foco de imprevisibilidade, fonte de pulsões, desejos e intentos incompreensíveis e independentes da vontade humana. Resumidamente, “o ser que somos pode escolher o que quer – mas não escolhemos o nosso ser, não somos uma criação da nossa vontade” (TODOROV, p. 29). Assim, a vontade humana tem limites definíveis e dela não pode depender a salvação do Homem. O pecado original existe, constitui uma falha fundamental do Homem, é herdado desde Adão, e consiste, precisamente, na pretensão humana de autonomia em relação ao seu próprio destino, é ”a escolha do orgulho em detrimento da humildade, a rejeição das autoridades exteriores e o desejo de ser senhor de si próprio” (TODOROV, p.29). A salvação só poderá ser alcançada, então, através do ingresso na religião cristã, da submissão do comportamento de cada um aos preceitos da Igreja, e da confiança e fé na graça divina.

Santo Agostinho (354-430 d. C.)

 Apesar de fundamentada numa visão pessimista do humano, a interpretação de Santo Agostinho é mais inclusiva do que a de Pelágio. Este concebe o homem como um Deus em potência, possuído de uma vontade irrestrita, capaz de uma elevação pessoal às alturas da santidade imaculada. Já Santo Agostinho humaniza o Homem, reconhece-lhe as suas falhas e compreende-lhe a sua inacessibilidade à perfeição, optando por perdoar-lhe os pecados que, necessariamente, comete. Seria a interpretação agostiniana a vencer esta diatribe, que acabou com a excomunhão de Pelágio. Contudo, os ecos desta disputa percorreriam toda a história posterior do pensamento filosófico ocidental, de tal maneira que, para Todorov, cada um dos três perigos internos que a democracia contém são derivações do pelagianismo.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Em primeiro lugar, o messianismo político, que surgiu como sucedâneo inesperado da Revolução Francesa. Com o derrube do absolutismo, onde o poder vem de uma entidade externa, concedido por obra e graça do Espírito Santo à pessoa do monarca, a Revolução Francesa empreendeu o retorno à democracia, entregando o poder ao povo. Tudo isto aconteceu numa época marcada por um “optimismo da vontade”, uma fé inabalável no progresso, melhor definido pelo pensamento de Condorcet, resumido por Todorov nos seguintes termos: “se nos aplicarmos o suficiente, poderemos erradicar o mal da superfície da Terra; [Condorcet pensa] que a marcha do progresso continuará infinitamente e que todos os homens ficarão um dia realizados e plenamente desenvolvidos” (TODOROV, p.42). Surge, então, um novo tipo de messianismo, desta feita secular, em que o messias é colectivizado na entidade povo, logo passível de ser corporizado em certos indivíduos, seus representantes, capazes de conduzir a colectividade ao objectivo último de promover o bem comum, que levará, inevitavelmente, ao estabelecimento do paraíso na Terra.
 
Condorcet (1743-1794)

O Terror, fase seguinte da Revolução, explica-se, à luz deste messianismo político, como uma consequência da aplicação do bem comum, que deverá ser imposto mesmo apesar de qualquer resistência individual, dado que o fim último a todos beneficiará, e tudo justifica. Bem assim, todas as guerras, internas ou externas, necessárias para a concretização do messianismo político são inteiramente justificáveis, porque almejam o alcance desse paraíso terreno. Desta feita, as características do messianismo político podem definir-se nos seguintes termos: “programa generoso; repartição assimétrica dos papéis, sujeito activo de um lado, beneficiário passivo do outro – a quem não se pede a opinião; meios militares postos ao serviço do projecto” (TODOROV, p. 49). Todavia, uma consequência imprevista desta doutrina será a tentativa de fusão do poder temporal e do poder espiritual na criação de uma autêntica religião política, corporizada na Festa do Ser Supremo, organizada e teorizada por Robespierre. É esta a origem das teocracias contra-revolucionárias que se opuseram a esta doutrina, como o caso do Irão após a Revolução Iraniana de 1979.
 
Festa do Ser Supremo, de Pierre-Antoine Demachy (1794)

Todorov divide a história do messianismo político em três vagas. A primeira, imediatamente a seguir ao seu surgimento, durante a Convenção, foi a vaga das guerras revolucionárias e coloniais, que abarca todo o século XIX. Pretendendo, inicialmente, espalhar a boa nova messiânica por todos os povos europeus, a França abraça com vigor as guerras com que a ameaçavam, e utiliza-as a seu favor para impor a doutrina do estabelecimento do paraíso na Terra. Já na fase final da Revolução Francesa, com a invasão do Egipto por Napoleão, e durante todo o século XIX, primeiro a França, depois as nações europeias como um todo, converter-se-ão ao ideal messiânico de levar a civilização e o progresso ilimitado aos povos “bárbaros”, ou “inferiores”, de África, da Ásia, e da Oceânia.

Uma segunda vaga, o projecto comunista, nascerá de uma nova visão adulatória da ciência, o cientismo, que parte do princípio de que o “mundo pode ser integralmente conhecido; que, por conseguinte, pode também ser transformado segundo um ideal; e que este, em vez de ser livremente escolhido, decorre do próprio conhecimento” (TODOROV, p. 51). Daqui sucede a noção de que a história detém implicitamente uma direcção predeterminada e inexorável, e que a sua análise implica um estabelecimento da lei pela qual se rege. Esta lei será, assim, a luta de classes, onde se resume toda a interacção social ao longo da história, consistindo num combate interminável entre exploradores e explorados, isto é, quem conquista o poder e dele se serve para explorar os outros, e quem, necessariamente é explorado pelos primeiros, dado não deterem os meios de produção. Tudo se subordina à luta de classes, e não há “qualquer categoria universal: nem moral, nem justiça, nem ideias, nem civilização […], nenhuma religião, nenhuma tradição” (TODOROV, p. 50) que se lhe escape. Desta forma, o fim último do projecto comunista será o desaparecimento de todas as diferenças de classe, através da abolição da propriedade privada, e da concentração dos meios de produção nas mãos do Estado, de onde decorre que será necessária uma “abolição” da burguesia proprietária. Tendo por base este ideário, que, mais uma vez, pretende instaurar outro paraíso na Terra, e após o sucesso da Revolução de Outubro de 1917, levando à criação da URSS, seria este o messianismo político que ocuparia boa parte do século XX.
 
Marx e Engels, teóricos do comunismo

Com a queda da URSS, em 1991, o messianismo político metamorfosear-se-á numa nova vaga, afectando agora as democracias modernas, nomeadamente os EUA e as nações aliadas da NATO, naquilo que Todorov ironicamente designa por “impor a democracia pelas bombas” (TODOROV, p. 57). Esta nova vaga messiânica pode ser definida como um neocolonialismo, na medida em que nasce no seio das nações ocidentais e pretende exportar o bem democrático civilizador para o exterior, já não direccionado aos “bárbaros” inferiores, mas, desta feita, aos povos oprimidos por regimes ditatoriais repressivos. A sua primeira manifestação revelou-se na guerra do Kosovo, de 1999, fundamentada por um novo conceito, o “direito de ingerência”, que permite aos Estados ocidentais intervir em situações de violação grave dos direitos humanos em Estados infractores. Após o 11 de Setembro de 2001, e a guerra ao terrorismo subsequente, encetada pelos EUA, surgiu o conceito de guerra preventiva – que justificou tanto a guerra do Iraque como a guerra do Afeganistão – onde os Estados democráticos outorgam a si próprios o direito de atacar antecipadamente uma ameaça à estabilidade nacional, levando na bagagem a democracia. Mais recentemente, com as guerras da Líbia e da Síria, vimos em acção uma derivação do “direito de ingerência”, a “responsabilidade de proteger” certos grupos de rebeldes e/ou minorias étnicas em detrimento do Estado opressor, com vista à democratização da região.

Em segundo lugar, o neoliberalismo, que também retira as suas raízes da Revolução Francesa, particularmente, do surgimento do indivíduo como entidade separada do colectivo. Tal como o próprio nome indica, trata-se do retomar dos ideais do liberalismo clássico, através da conceptualização de Friedrich von Hayek, nos anos 1930, como reacção à social-democracia de inspiração keynesiana, mais tarde retomada por Milton Friedman naquilo que Todorov designa por ultraliberalismo.
 
Friedrich von Hayek (1899-1992)

O nascimento do indivíduo como entidade autónoma veio encará-lo como a medida de todas as coisas, sendo o ponto de partida e de finitude da soberania, existindo esta em função do colectivo, que é, na verdade, um conjunto heterogéneo de indivíduos atomizados, e terminando quando começa a vida privada de cada um. Neste sentido, o neoliberalismo preconiza a liberdade do indivíduo como fim último da sociedade, capaz de levar ao desenvolvimento pessoal, e esse desenvolvimento consubstancia-se no plano económico. Este plano passa a assumir um papel autónomo, separado da política, da moral e da religião, pois a liberdade individual é, antes de mais, uma liberdade económica, através da qual o sujeito pode exercer a sua individualidade criativa, que tende ao auto-aperfeiçoamento pessoal e monetário – tal como Locke aponta, “o homem é proprietário do fruto do seu trabalho” (TODOROV, p. 97). Para proteger e realçar a liberdade do indivíduo, o neoliberalismo defende uma intervenção mínima do Estado na economia, devendo retirar-se do mercado e privatizar todo o sector empresarial estatal, dado que o mercado necessita apenas de uma auto-regulação, sem entraves externos, para funcionar correctamente, aquilo que Adam Smith define como o carácter de “mão invisível” da economia.

Tal como o comunismo, o neoliberalismo é filho de Pelágio na medida em que concebe uma vontade humana irrestrita, capaz de tudo moldar e tudo submeter. Contudo, as semelhanças não se ficam por aqui. Tal como o comunismo, o neoliberalismo também é filho do cientismo, podendo então falar-se de um “liberalismo «científico»” (TODOROV, p. 104), facto que explica a sua fé inabalável no progresso inevitável, se bem que imoderado e imediatista, da ciência. Se o comunismo é um totalitarismo do colectivo, o neoliberalismo é um totalitarismo do indivíduo, na medida em que nega todas as motivações colectivas que não sejam as de autoconservação da espécie, e condena o sujeito a viver numa constante “lei da selva” e num “salve-se, quem puder”. Na verdade, ambos, neoliberalismo e comunismo, reduzem o homem à sua condição de agente primariamente económico, em detrimento de todas as suas outras vertentes.
 
Milton Friedman (1912-2006)

Esta condição exige, consequentemente, um poder económico sem restrições, levando ao enfraquecimento da lei, em detrimento do contracto privado entre particulares e agentes económicos de relevo, vulgo, empresas. Inevitavelmente, a lógica neoliberal impõe uma flexibilidade e mobilidade no trabalho sem precedentes, minando a protecção laboral preexistente. Esta lógica leva a uma descontextualização do homem, desestruturando as suas redes interpessoais e os mecanismos de identificação e sentido do propósito da vida, indissoluvelmente ligados ao contexto que perdeu. Ademais, as técnicas de gestão, onde se alicerça esta lógica, são uma derivação ideológica neoliberal que, as mais das vezes, se limita a constatar o óbvio e, em vez de levar a uma maior eficiência económica constitui um peso burocrático e um aumento dos gastos com pessoal especializado para a instituir e gerir. As referidas técnicas implicam uma divisão do trabalho em tarefas estanques e impessoais que desumanizam e embrutecem o homem, porque impedem a racionalização e pensamento da acção que cada tarefa requer.

Em terceiro lugar, o populismo, cujas raízes heterogéneas estão associadas ao neoliberalismo, e ligadas ao fascismo. As tendências populistas das democracias modernas procedem da ascensão exacerbada do individualismo nas últimas décadas, particularmente no seguimento do Maio de 1968, palco dos slogans, “é proibido proibir” e “tutto a subito” (“tudo imediatamente”). Esta ascensão levou à erosão da identidade colectiva tradicional, dado que a “libertação sexual, o recuo das religiões e o desmoronamento das utopias” (TODOROV, P. 184) favoreceram a dimensão das escolhas pessoais em detrimento da dissolução das normas comunitárias. Paralelamente, a progressiva globalização da economia, tão cara ao neoliberalismo, ao favorecer as empresas multinacionais, as deslocalizações da produção industrial e a fluidez de capitais, leva ao enfraquecimento do papel do Estado como actor regulador e estabilizador da sociedade e da economia. Estas duas forças conjuntas agem em conformidade, na sociedade moderna, para minar a autoridade tradicional, devido à afirmação da autonomia individual, pois “cada um quer ser julgado em nome das normas a que adere livremente, e não que essas normas lhe sejam impostas de fora” (TODOROV, p. 184). Inevitavelmente, assistimos a dois fenómenos interligados, o aumento dos conflitos intergeracionais e o “desaparecimento do papel regulador da família” (TODOROV, p. 186), que resultam da erosão da autoridade familiar e provocam uma tendência preocupante de fuga para a autoridade policial.
 
Protestos do Maio de 1968

Os políticos oportunistas, ditos populistas, que pretendem tirar partido destes fenómenos sociais desestruturantes, “recusam olhar para além do presente” (TODOROV, p. 193) e, podemos acrescentar, do imediato. Assim, observam a sociedade, constatam a presença cada vez maior de emigrantes, mero sintoma da globalização, e exacerbam-no à qualidade de causa de todos os males, utilizando-o como bode expiatório. É possível concluir, então, que a xenofobia vem sempre de mãos dadas com o populismo. Se, para os nazis, o mal eram os judeus, para os populistas modernos o mal são os estrangeiros, sejam eles muçulmanos, ou os refugiados (grande parte deles praticantes da fé islâmica), na Europa, e, adicionalmente, os povos latino-americanos, nos EUA. Tal como no passado, o neoliberalismo não só não se incomoda com estes movimentos extremistas, como o vemos de mãos dadas com políticos como Orbán, Trump ou Bolsonaro, desde que estes dêem continuidade ao “business as usual”.

Considerações Finais

Estes quatro cavaleiros do apocalipse (se somarmos também a xenofobia) estão já plenamente em acção, e são fonte corrosiva da estrutura democrática. Caso não sejam proactivamente combatidos, são possibilidades reais um retorno de novos totalitarismos e/ou outras formas de governo contrárias à democracia, que em nada beneficiarão o colectivo social. Até lá, podemos estar certos de que o messianismo político gera uma institucionalização da tortura, nos países que dele são alvo (actualmente Síria, Líbia, Afeganistão e Paquistão), e descredibiliza presencialmente a democracia como um sistema hipócrita de interesses predatórios, pois, como afirma Pascal, “quem quer fazer de anjo torna-se besta” (TODOROV, p. 89). Ademais, esta institucionalização da tortura fora de portas pode, dentro de portas, levar ao perigosíssimo estabelecimento colateral de uma sociedade de segurança absoluta. Podemos estar certos, também, que o neoliberalismo gera uma verdadeira tirania dos indivíduos, capazes de acumular fortunas inimagináveis e de se perpetuar no poder infinitamente, dado o controlo que detêm dos média e das plataformas de entretenimento, que moldam a percepção da realidade e a narrativa dos factos. Finalmente, podemos estar, inclusive, certos de que o populismo cria e explora divisões profundas na sociedade, levando a um retorno nefasto dos nacionalismos capazes de provocar conflitos futuros entre nações, pois, como afirma Umberto Eco, o ódio é inclusivo, e acolhedor, sendo, por isso mesmo, uma força de grande poder atractivo[1].

Referências

TODOROV, Tzvetan (2017) – Os Inimigos Íntimos da Democracia. Lisboa: Edições 70.


[1] Consultar “Umberto Eco in conversation with Paul Holdengräber”, minuto 29:40 a 30:50: