Notas Para a Compreensão da Política Contemporânea
No pico da crise económica global pós-2008, o
historiador, filósofo e teórico literário Tzvetan Todorov dedicou-se a estudar
o estado da democracia no momento presente, e os perigos a que está sujeita.
Oito anos volvidos desde a sua publicação, com o mundo ocidental a assistir a
uma viragem perigosa em direcção ao populismo – os Estados Unidos da América
são presa do errático e falacioso Trump, o Brasil está nas mãos do lunático
Bolsonaro, e até a União Europeia se vê a braços com Orbán, na Hungria, a Frente
Nacional, em França, o VOX, na Espanha, ou a Liga Norte em Itália –, a
actualidade e urgência das reflexões de Todorov não poderiam ser mais
evidentes.
Impõe-se, antes de mais, uma definição de
democracia, segundo Todorov. Para este, a democracia é o regime em que o poder
pertence ao povo, no seio da qual se pode desfrutar da liberdade dos indivíduos
e do direito a uma vida privada. À democracia está inerente o conceito de
progresso, isto é um “melhoramento possível da ordem social, um aperfeiçoamento
graças aos esforços da vontade colectiva” (TODOROV, p. 15). No regime democrático o
poder é de carácter pluralista, estando distribuído entre diversas instâncias,
que se querem independentes entre si. À divisão tripartida tradicional do poder
em poder judicial, legislativo e executivo, Todorov junta mais dois: o mediático,
pertencente à formação, e influência, da opinião pública pelos órgãos de
comunicação social; e o económico, relativo à acção na sociedade derivada da acumulação
de bens privados, capazes de moldar a mesma por via do investimento financeiro
que, entre outras coisas, gera empregos, logo salários, a eles alocados. Para Todorov,
a democracia é, resumindo, um equilíbrio constante entre todos estes
ingredientes.
Tzvetan Todorov (1939-2017) |
Tendo em conta o contexto histórico actual, as
monarquias absolutas são uma relíquia do passado, subsistindo apenas no
Vaticano, na Arábia Saudita e num punhado de estados islâmicos menores; os
regimes totalitários fascistas foram derrotados há muito; e o regime
totalitário comunista soçobrou sobre o seu próprio peso há 28 anos. Perante
esta ausência de inimigos externos, o governo do povo só tem a temer os seus
inimigos internos, que resultarão, necessariamente, de um desequilíbrio entre
os ingredientes que o compõem.
Desta forma, o sistema democrático comporta um
engenho interno capaz de provocar a sua própria destruição: a húbris.
Isto é, uma desmesura, como Todorov prefere chamar-lhe, que consiste numa
“vontade ébria de si mesma, um orgulho que convence aquele que o sente de que
tudo para ele é possível” (TODOROV, p. 16). Esta desmesura surge quando se
evidencia uma simplificação do plural, precisamente a característica
democrática que funciona, em circunstâncias normais, como factor dissuasor de
potenciais prepotências. Neste sentindo, Todorov aponta os três principais
ingredientes democráticos passíveis de sofrerem de uma desmesura, o povo, a
liberdade e o progresso, e liga-os aos respectivos perigos que podem
constituir, caso extravasem a condição moderadora que deles se exige, o populismo,
o neoliberalismo e o messianismo. Adicionalmente, podemos incluir
nesta lista de perigos, a xenofobia, umbilicalmente ligada ao populismo.
A Tentação do Absoluto
Antes da própria análise dos perigos em causa,
Todorov empreende um enquadramento da húbris num contexto filosófico
alargado que constituirá a base da sua argumentação: a disputa teológica entre
Pelágio e Santo Agostinho. Em pleno século IV, no ocaso do Império Romano do
Ocidente, Pelágio despertou uma controvérsia no seio da doutrina cristã devido
às suas interpretações da vontade divina e do destino do Homem,
conceptualizados em torno daquilo a que chamou autonomia, ou seja, “a lei que
damos a nós próprios” (TODOROV, p. 32). Segundo Pelágio, a graça divina consistia
no dom do livre-arbítrio e nos ensinamentos bíblicos. Partindo destas dádivas,
o Homem seria capaz de entender o curso moral da acção e segui-lo
autonomamente. Tal concepção partia da visão de que toda a criação gerada por
Deus é boa, logo o pecado original seria impossível, isto é, o pecado não
poderia, dado que o Homem tem livre-arbítrio, ser herdado de Adão, consistiria,
apenas, na imitação do seu gesto. Logo seria possível à humanidade evitar o
pecado dado que tem a capacidade moral de escolher não pecar e de escolher
viver uma vida santa. E, porque o Homem é feito à imagem de Deus, e “a vontade
divina não conhece limites, a vontade humana pode ultrapassar todos os
obstáculos” (TODOROV, p. 24).
Pelágio (c. 354-418 d. C.) |
Por seu turno, Santo Agostinho opôs à
autonomia pelagiana a heteronomia, melhor dizendo, a “submissão à lei vinda de
fora” (TODOROV, p. 32). À omnipotência pelagiana do livre-arbítrio, Agostinho
contrapõe a força profunda do inconsciente da mente, como foco de
imprevisibilidade, fonte de pulsões, desejos e intentos incompreensíveis e
independentes da vontade humana. Resumidamente, “o ser que somos pode escolher
o que quer – mas não escolhemos o nosso ser, não somos uma criação da nossa
vontade” (TODOROV, p. 29). Assim, a vontade humana tem limites definíveis e
dela não pode depender a salvação do Homem. O pecado original existe, constitui
uma falha fundamental do Homem, é herdado desde Adão, e consiste, precisamente,
na pretensão humana de autonomia em relação ao seu próprio destino, é ”a
escolha do orgulho em detrimento da humildade, a rejeição das autoridades
exteriores e o desejo de ser senhor de si próprio” (TODOROV, p.29). A salvação só
poderá ser alcançada, então, através do ingresso na religião cristã, da
submissão do comportamento de cada um aos preceitos da Igreja, e da confiança e
fé na graça divina.
Santo Agostinho (354-430 d. C.) |
Apesar de fundamentada numa visão pessimista
do humano, a interpretação de Santo Agostinho é mais inclusiva do que a de
Pelágio. Este concebe o homem como um Deus em potência, possuído de uma vontade
irrestrita, capaz de uma elevação pessoal às alturas da santidade imaculada. Já
Santo Agostinho humaniza o Homem, reconhece-lhe as suas falhas e compreende-lhe
a sua inacessibilidade à perfeição, optando por perdoar-lhe os pecados que,
necessariamente, comete. Seria a interpretação agostiniana a vencer esta
diatribe, que acabou com a excomunhão de Pelágio. Contudo, os ecos desta
disputa percorreriam toda a história posterior do pensamento filosófico
ocidental, de tal maneira que, para Todorov, cada um dos três perigos internos
que a democracia contém são derivações do pelagianismo.
Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse
Em primeiro lugar, o messianismo político,
que surgiu como sucedâneo inesperado da Revolução Francesa. Com o derrube do
absolutismo, onde o poder vem de uma entidade externa, concedido por obra e
graça do Espírito Santo à pessoa do monarca, a Revolução Francesa empreendeu o
retorno à democracia, entregando o poder ao povo. Tudo isto aconteceu numa
época marcada por um “optimismo da vontade”, uma fé inabalável no progresso,
melhor definido pelo pensamento de Condorcet, resumido por Todorov nos
seguintes termos: “se nos aplicarmos o suficiente, poderemos erradicar o mal da
superfície da Terra; [Condorcet pensa] que a marcha do progresso continuará
infinitamente e que todos os homens ficarão um dia realizados e plenamente
desenvolvidos” (TODOROV, p.42). Surge, então, um novo tipo de messianismo,
desta feita secular, em que o messias é colectivizado na entidade povo, logo
passível de ser corporizado em certos indivíduos, seus representantes, capazes
de conduzir a colectividade ao objectivo último de promover o bem comum, que
levará, inevitavelmente, ao estabelecimento do paraíso na Terra.
O Terror, fase seguinte da Revolução,
explica-se, à luz deste messianismo político, como uma consequência da
aplicação do bem comum, que deverá ser imposto mesmo apesar de qualquer
resistência individual, dado que o fim último a todos beneficiará, e tudo
justifica. Bem assim, todas as guerras, internas ou externas, necessárias para
a concretização do messianismo político são inteiramente justificáveis, porque
almejam o alcance desse paraíso terreno. Desta feita, as características do
messianismo político podem definir-se nos seguintes termos: “programa generoso;
repartição assimétrica dos papéis, sujeito activo de um lado, beneficiário
passivo do outro – a quem não se pede a opinião; meios militares postos ao
serviço do projecto” (TODOROV, p. 49). Todavia, uma consequência imprevista
desta doutrina será a tentativa de fusão do poder temporal e do poder espiritual
na criação de uma autêntica religião política, corporizada na Festa do Ser
Supremo, organizada e teorizada por Robespierre. É esta a origem das teocracias
contra-revolucionárias que se opuseram a esta doutrina, como o caso do Irão
após a Revolução Iraniana de 1979.
Todorov divide a história do messianismo
político em três vagas. A primeira, imediatamente a seguir ao seu surgimento,
durante a Convenção, foi a vaga das guerras revolucionárias e coloniais, que
abarca todo o século XIX. Pretendendo, inicialmente, espalhar a boa nova
messiânica por todos os povos europeus, a França abraça com vigor as guerras
com que a ameaçavam, e utiliza-as a seu favor para impor a doutrina do
estabelecimento do paraíso na Terra. Já na fase final da Revolução Francesa,
com a invasão do Egipto por Napoleão, e durante todo o século XIX, primeiro a
França, depois as nações europeias como um todo, converter-se-ão ao ideal
messiânico de levar a civilização e o progresso ilimitado aos povos “bárbaros”,
ou “inferiores”, de África, da Ásia, e da Oceânia.
Uma segunda vaga, o projecto comunista,
nascerá de uma nova visão adulatória da ciência, o cientismo, que parte do
princípio de que o “mundo pode ser integralmente conhecido; que, por
conseguinte, pode também ser transformado segundo um ideal; e que este, em vez
de ser livremente escolhido, decorre do próprio conhecimento” (TODOROV, p. 51).
Daqui sucede a noção de que a história detém implicitamente uma direcção
predeterminada e inexorável, e que a sua análise implica um estabelecimento da
lei pela qual se rege. Esta lei será, assim, a luta de classes, onde se resume
toda a interacção social ao longo da história, consistindo num combate
interminável entre exploradores e explorados, isto é, quem conquista o poder e
dele se serve para explorar os outros, e quem, necessariamente é explorado
pelos primeiros, dado não deterem os meios de produção. Tudo se subordina à
luta de classes, e não há “qualquer categoria universal: nem moral, nem
justiça, nem ideias, nem civilização […], nenhuma religião, nenhuma tradição”
(TODOROV, p. 50) que se lhe escape. Desta forma, o fim último do projecto
comunista será o desaparecimento de todas as diferenças de classe, através da
abolição da propriedade privada, e da concentração dos meios de produção nas
mãos do Estado, de onde decorre que será necessária uma “abolição” da burguesia
proprietária. Tendo por base este ideário, que, mais uma vez, pretende
instaurar outro paraíso na Terra, e após o sucesso da Revolução de Outubro de
1917, levando à criação da URSS, seria este o messianismo político que ocuparia
boa parte do século XX.
Com a queda da URSS, em 1991, o messianismo
político metamorfosear-se-á numa nova vaga, afectando agora as democracias
modernas, nomeadamente os EUA e as nações aliadas da NATO, naquilo que Todorov
ironicamente designa por “impor a democracia pelas bombas” (TODOROV, p. 57).
Esta nova vaga messiânica pode ser definida como um neocolonialismo, na medida
em que nasce no seio das nações ocidentais e pretende exportar o bem
democrático civilizador para o exterior, já não direccionado aos “bárbaros”
inferiores, mas, desta feita, aos povos oprimidos por regimes ditatoriais
repressivos. A sua primeira manifestação revelou-se na guerra do Kosovo, de
1999, fundamentada por um novo conceito, o “direito de ingerência”, que permite
aos Estados ocidentais intervir em situações de violação grave dos direitos
humanos em Estados infractores. Após o 11 de Setembro de 2001, e a guerra ao
terrorismo subsequente, encetada pelos EUA, surgiu o conceito de guerra
preventiva – que justificou tanto a guerra do Iraque como a guerra do
Afeganistão – onde os Estados democráticos outorgam a si próprios o direito de
atacar antecipadamente uma ameaça à estabilidade nacional, levando na bagagem a
democracia. Mais recentemente, com as guerras da Líbia e da Síria, vimos em
acção uma derivação do “direito de ingerência”, a “responsabilidade de
proteger” certos grupos de rebeldes e/ou minorias étnicas em detrimento do
Estado opressor, com vista à democratização da região.
Em segundo lugar, o neoliberalismo, que
também retira as suas raízes da Revolução Francesa, particularmente, do
surgimento do indivíduo como entidade separada do colectivo. Tal como o próprio
nome indica, trata-se do retomar dos ideais do liberalismo clássico, através da
conceptualização de Friedrich von Hayek, nos anos 1930, como reacção à
social-democracia de inspiração keynesiana, mais tarde retomada por Milton
Friedman naquilo que Todorov designa por ultraliberalismo.
O nascimento do indivíduo como entidade
autónoma veio encará-lo como a medida de todas as coisas, sendo o ponto de
partida e de finitude da soberania, existindo esta em função do colectivo, que
é, na verdade, um conjunto heterogéneo de indivíduos atomizados, e terminando
quando começa a vida privada de cada um. Neste sentido, o neoliberalismo
preconiza a liberdade do indivíduo como fim último da sociedade, capaz de levar
ao desenvolvimento pessoal, e esse desenvolvimento consubstancia-se no plano
económico. Este plano passa a assumir um papel autónomo, separado da política,
da moral e da religião, pois a liberdade individual é, antes de mais, uma
liberdade económica, através da qual o sujeito pode exercer a sua
individualidade criativa, que tende ao auto-aperfeiçoamento pessoal e monetário
– tal como Locke aponta, “o homem é proprietário do fruto do seu trabalho”
(TODOROV, p. 97). Para proteger e realçar a liberdade do indivíduo, o
neoliberalismo defende uma intervenção mínima do Estado na economia, devendo
retirar-se do mercado e privatizar todo o sector empresarial estatal, dado que o
mercado necessita apenas de uma auto-regulação, sem entraves externos, para
funcionar correctamente, aquilo que Adam Smith define como o carácter de “mão
invisível” da economia.
Tal como o comunismo, o neoliberalismo é filho
de Pelágio na medida em que concebe uma vontade humana irrestrita, capaz de
tudo moldar e tudo submeter. Contudo, as semelhanças não se ficam por aqui. Tal
como o comunismo, o neoliberalismo também é filho do cientismo, podendo então
falar-se de um “liberalismo «científico»” (TODOROV, p. 104), facto que explica
a sua fé inabalável no progresso inevitável, se bem que imoderado e
imediatista, da ciência. Se o comunismo é um totalitarismo do colectivo, o
neoliberalismo é um totalitarismo do indivíduo, na medida em que nega todas as
motivações colectivas que não sejam as de autoconservação da espécie, e condena
o sujeito a viver numa constante “lei da selva” e num “salve-se, quem puder”. Na
verdade, ambos, neoliberalismo e comunismo, reduzem o homem à sua condição de
agente primariamente económico, em detrimento de todas as suas outras
vertentes.
Esta condição exige, consequentemente, um
poder económico sem restrições, levando ao enfraquecimento da lei, em
detrimento do contracto privado entre particulares e agentes económicos de
relevo, vulgo, empresas. Inevitavelmente, a lógica neoliberal impõe uma
flexibilidade e mobilidade no trabalho sem precedentes, minando a protecção
laboral preexistente. Esta lógica leva a uma descontextualização do homem,
desestruturando as suas redes interpessoais e os mecanismos de identificação e
sentido do propósito da vida, indissoluvelmente ligados ao contexto que perdeu.
Ademais, as técnicas de gestão, onde se alicerça esta lógica, são uma derivação
ideológica neoliberal que, as mais das vezes, se limita a constatar o óbvio e,
em vez de levar a uma maior eficiência económica constitui um peso burocrático
e um aumento dos gastos com pessoal especializado para a instituir e gerir. As
referidas técnicas implicam uma divisão do trabalho em tarefas estanques e
impessoais que desumanizam e embrutecem o homem, porque impedem a
racionalização e pensamento da acção que cada tarefa requer.
Em terceiro lugar, o populismo, cujas
raízes heterogéneas estão associadas ao neoliberalismo, e ligadas ao fascismo. As
tendências populistas das democracias modernas procedem da ascensão exacerbada
do individualismo nas últimas décadas, particularmente no seguimento do Maio de
1968, palco dos slogans, “é proibido proibir” e “tutto a subito” (“tudo
imediatamente”). Esta ascensão levou à erosão da identidade colectiva
tradicional, dado que a “libertação sexual, o recuo das religiões e o
desmoronamento das utopias” (TODOROV, P. 184) favoreceram a dimensão das
escolhas pessoais em detrimento da dissolução das normas comunitárias.
Paralelamente, a progressiva globalização da economia, tão cara ao
neoliberalismo, ao favorecer as empresas multinacionais, as deslocalizações da
produção industrial e a fluidez de capitais, leva ao enfraquecimento do papel
do Estado como actor regulador e estabilizador da sociedade e da economia.
Estas duas forças conjuntas agem em conformidade, na sociedade moderna, para
minar a autoridade tradicional, devido à afirmação da autonomia individual,
pois “cada um quer ser julgado em nome das normas a que adere livremente, e não
que essas normas lhe sejam impostas de fora” (TODOROV, p. 184).
Inevitavelmente, assistimos a dois fenómenos interligados, o aumento dos
conflitos intergeracionais e o “desaparecimento do papel regulador da família”
(TODOROV, p. 186), que resultam da erosão da autoridade familiar e provocam uma
tendência preocupante de fuga para a autoridade policial.
Os políticos oportunistas, ditos populistas,
que pretendem tirar partido destes fenómenos sociais desestruturantes, “recusam
olhar para além do presente” (TODOROV, p. 193) e, podemos acrescentar, do
imediato. Assim, observam a sociedade, constatam a presença cada vez maior de
emigrantes, mero sintoma da globalização, e exacerbam-no à qualidade de causa
de todos os males, utilizando-o como bode expiatório. É possível concluir,
então, que a xenofobia vem sempre de mãos dadas com o populismo. Se,
para os nazis, o mal eram os judeus, para os populistas modernos o mal são os
estrangeiros, sejam eles muçulmanos, ou os refugiados (grande parte deles
praticantes da fé islâmica), na Europa, e, adicionalmente, os povos
latino-americanos, nos EUA. Tal como no passado, o neoliberalismo não só não se
incomoda com estes movimentos extremistas, como o vemos de mãos dadas com políticos
como Orbán, Trump ou Bolsonaro, desde que estes dêem continuidade ao “business as
usual”.
Considerações Finais
Estes quatro cavaleiros do apocalipse (se
somarmos também a xenofobia) estão já plenamente em acção, e são fonte
corrosiva da estrutura democrática. Caso não sejam proactivamente combatidos,
são possibilidades reais um retorno de novos totalitarismos e/ou outras formas
de governo contrárias à democracia, que em nada beneficiarão o colectivo
social. Até lá, podemos estar certos de que o messianismo político gera uma
institucionalização da tortura, nos países que dele são alvo (actualmente
Síria, Líbia, Afeganistão e Paquistão), e descredibiliza presencialmente a
democracia como um sistema hipócrita de interesses predatórios, pois, como
afirma Pascal, “quem quer fazer de anjo torna-se besta” (TODOROV, p. 89).
Ademais, esta institucionalização da tortura fora de portas pode, dentro de
portas, levar ao perigosíssimo estabelecimento colateral de uma sociedade de
segurança absoluta. Podemos estar certos, também, que o neoliberalismo gera uma
verdadeira tirania dos indivíduos, capazes de acumular fortunas inimagináveis e
de se perpetuar no poder infinitamente, dado o controlo que detêm dos média e
das plataformas de entretenimento, que moldam a percepção da realidade e a
narrativa dos factos. Finalmente, podemos estar, inclusive, certos de que o
populismo cria e explora divisões profundas na sociedade, levando a um retorno
nefasto dos nacionalismos capazes de provocar conflitos futuros entre nações,
pois, como afirma Umberto Eco, o ódio é inclusivo, e acolhedor, sendo, por isso
mesmo, uma força de grande poder atractivo[1].
Referências
TODOROV,
Tzvetan (2017) – Os Inimigos Íntimos da
Democracia. Lisboa: Edições 70.
[1]
Consultar “Umberto Eco in conversation with Paul Holdengräber”, minuto 29:40 a
30:50:
https://www.youtube.com/watch?v=DuGpw0-B9-s
[Consultado a 12-6-2020].